Herói
sábado, 4 de agosto de 2012 @ 23:08
Continuo neste cantinho da casa, onde, ultimamente, é o meu refúgio. Aqui, vejo a rua. Tenho vista privilegiada para os outros, para a vida deles, para a rotina cansada das pessoas. Vejo-as correr, apanhar táxis daqui para ali, vejo-as a olhar para o relógio. E, de um momento para o outro, é nisto que o mundo se tornou... Numa correria, num sentido paralelo contra-relógio, num passo à frente do que podem, a vida tornou-se numa corrida. Vejo-as, vejo naquilo que me tornei, no que nos tornámos. As pessoas choram, porque lhes faz bem, mas a sociedade não quer, reprimem-nas. As pessoas riem-se, porque tem de ser, porque têm que se proteger.
Puxo do cigarro, encosto-me à parede. A casa está fria, não há ninguém. Mentira, há o silêncio. O mesmo silêncio que me mata dia-após-dia, hora-após-hora, noite-após-noite. Estou morta, a minha mente está morta... O que resta de mim é um corpo, um corpo sem nada. De repente, solta-se a linha do livro: Todo o mundo é capaz de dominar uma dor, excepto quem a sente - William Shakespeare. Sem me controlar, olho para a varanda, mas a noite ferra, ninguém a passar na avenida, eu sozinha. Encosto a cabeça à parede, mando o livro para não sei onde, puxo as mãos à cabeça e elas voltam. Lágrimas, soluços. Choro, mil e um pensamentos me vêm à cabeça. Estou sozinha, não tenho rumo. Continuo a chorar e só te imagino deitado no hospital, cheio de tubos, deitado, de olhos fechados. És o meu herói, e eu vou-te apoiar. Quando era pequenina fizeste-me sorrir. Levavas-me à praia e tomavas conta de mim. Lembraste de quando uma onda me ia levando por eu ser teimosa e por tu teres o teu joelho como estava? Lembraste do que ralhaste comigo? Eu lembro, lembro-me de ter levado muito a peito e ter ficado triste, mas afinal era só porque não te querias ver-me partir num mar. Sempre tiveste medo que me acontecesse alguma coisa e eu não percebi. Agora sou eu que tenho medo que te aconteça alguma coisa. Ralhaste comigo tanto e tanto que agora te dou valor. Agora, percebo porquê que não gostas que eu ande de bicicleta. Agora, percebo porque me fizeste o baloiço na árvore, porque ficaste triste quando, uma vez, não fui contigo à praia. Lágrimas, mais lágrimas. Acendo um cigarro. E só me vem uma palavra à cabeça: Obrigada.
Limpo os olhos, assou-me e, mil e uma coisas me passam pela cabeça, mas nenhuma forte o suficiente para te dizer. Desculpa. Estou aqui e se te acontece alguma coisa, a mim também. Obrigada.
http://www.youtube.com/watch?v=rtOvBOTyX00
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